Saúde mental no futebol: como enfrentar a pressão e romper tabus no esporte
No universo dos esportes, onde a busca incessante por resultados e a exposição pública são diárias, a saúde mental dos atletas e treinadores é colocada à prova constantemente. Recentemente, episódios envolvendo grandes nomes do futebol, como o técnico Tite, trouxeram à tona o debate sobre a necessidade urgente de cuidado emocional dentro dos clubes. Especialistas em psicologia do esporte nos ajudam a entender os principais desafios e caminhos para uma mudança estrutural dentro da saúde mental no futebol brasileiro.
Pressão e exposição: uma combinação nociva
O futebol profissional é um ambiente de extrema pressão, onde a vitória é celebrada e o fracasso amplamente criticado. Segundo o psicólogo esportivo Prof. Dr. João Ricardo Cozac, a cobrança excessiva e a exposição midiática contínua são fatores que podem comprometer gravemente o equilíbrio emocional dos profissionais. Ele aponta que casos como o de Tite, que após comandar a Seleção Brasileira em duas Copas do Mundo decidiu recusar propostas imediatas, evidenciam o tamanho do desgaste mental enfrentado. “É um ambiente que cobra excelência diária, mas oferece pouco espaço para o processamento das frustrações profundas”, afirma.
Além da pressão presencial, a violência digital emerge como um novo e preocupante fator de agravamento para a saúde mental no futebol. Matheus Vasconcelos, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, destaca que a hostilidade nas redes sociais, como ameaças e discursos de ódio, afeta profundamente o bem-estar desses profissionais. Relatórios recentes da FIFPRO alertam para a necessidade de estratégias institucionais de acolhimento e proteção contra essas agressões online, reforçando a urgência de ambientes mais seguros para o desenvolvimento humano no meio dos esportes.
A importância da prevenção e acolhimento nas instituições
Para transformar o cenário, os especialistas defendem que o suporte psicológico nos esportes vá além de ações pontuais. Cozac enfatiza que o diálogo e a empatia precisam se consolidar como práticas reais, com espaços contínuos de escuta, rodas de conversa e programas educativos conduzidos por psicólogos do esporte. Vasconcelos complementa sugerindo a criação de departamentos estruturados de psicologia, capazes de oferecer apoio regular, monitorar o risco de burnout e promover a saúde mental como parte integrante da formação esportiva.
Educação emocional desde a base
Historicamente, a saúde mental no futebol sempre foi deixada de escanteio, pois a sociedade cultivou a ideia de que demonstrar fragilidade é sinal de fraqueza. Essa visão equivocada ainda persiste em muitos clubes, mas começa a ser desconstruída. Cozac defende que a educação emocional precisa ser iniciada nas categorias de base, para que atletas cresçam reconhecendo seus sentimentos e sabendo buscar ajuda. Vasconcelos concorda e reforça que, embora o tabu tenha diminuído, a cultura institucional ainda apresenta resistências, indicando a necessidade de mudanças mais profundas para garantir que o cuidado psicológico seja naturalizado no ambiente esportivo.
A importância do suporte psicológico imediato
Diante de situações críticas no mundo dos esportes, como a recente decisão de Tite, o suporte psicológico emergencial se mostra fundamental. Cozac explica que a intervenção rápida ajuda o profissional a reconhecer sinais de esgotamento e legitima a necessidade de pausas estratégicas para preservar sua saúde. Vasconcelos acrescenta que esse suporte oferece um espaço protegido para lidar com narrativas de fracasso e autocobrança, fortalecendo a performance de forma saudável e sustentável.
Programas contínuos de saúde mental do início ao auge da carreira
Por fim, os especialistas reforçam que o cuidado da saúde mental no futebol deve ser estruturado de forma contínua, não apenas em momentos de crise. Cozac defende a integração dos psicólogos na rotina diária dos clubes, acompanhando o elenco durante toda a temporada e construindo protocolos sólidos de prevenção. Vasconcelos apresenta modelos de atuação possíveis, como departamentos específicos de psicologia ou redes de apoio externas, que podem atuar em conjunto para garantir um suporte abrangente, desde as categorias de base até o futebol profissional.